PÁSCOA, REALIDADE E ESPERANÇA
Temos até dezenove de maio, o tempo litúrgico para a
celebração da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Há uma necessidade
antropológica de prolongar temporalmente a oportunidade para contemplar o que
não pode ser experimentado pela pessoa humana em um só instante. Na liturgia, o
tempo pascal é uma resposta pedagógica a uma necessidade com duas faces, a
grandiosidade do mistério pascal de Nosso Senhor Jesus Cristo e o limite humano
na compreensão.
O testemunho dos apóstolos, discípulos e algumas mulheres é
contundente e concorde: vimos o Senhor ressuscitado! É o que experimentaram e
transmitiram a nós, o que encontramos registrado no Novo Testamento, na segunda
parte da Bíblia Sagrada. Colocamos fé e confiança neste testemunho, conservado
pela Igreja, Povo de Deus, através dos séculos. A fé dos apóstolos e discípulos
é a nossa fé. É esta mesma fé que transmitimos às novas gerações de batizados:
o Senhor morreu e ressuscitou para a nossa salvação!
Para Nosso Senhor Jesus Cristo, a ressurreição é uma realidade,
um fato: ressurgiu dos mortos, está vivo, com um corpo glorificado. Pode ser
visto e tocado por aqueles a quem se manifestou na sua nova condição, caminhou,
comeu, conversou, interagiu com eles. Porém, ele não era reconhecido de
imediato, o que mostra que o seu corpo encontrava-se em uma nova situação, um
corpo transfigurado, não mais sujeito aos limites da materialidade. O
pressuposto para o reconhecimento é a fé, quem não acredita não o experimenta
ressuscitado.
Para nós Católicos Apostólicos Romanos, membros do Corpo
Místico de Cristo, a ressurreição é uma esperança: como Ele ressuscitou, também
ressuscitaremos. O que aconteceu com Ele, ocorrerá conosco, esta é uma promessa
feita por Ele mesmo quando viveu entre nós. N’Ele vemos e pressentimos o que
nos aguarda no futuro, o nosso “destino”, sermos glorificados na carne, como
rezamos na Profissão de Fé.
De algum modo já participamos da condição de ressuscitado de
Nosso Senhor Jesus Cristo, pois na Igreja, seu Corpo Místico, Ele é a cabeça e
nós os membros. A vida nova de ressuscitado está presente em todo o corpo. A
nossa participação neste mistério de sua morte e ressurreição ocorre através do
batismo: batizados, morremos e ressuscitamos com Ele. Deste modo, ressuscitar
com Cristo não é uma esperança só para o futuro, mas uma esperança já presente
e real em nossa condição de filhos e filhas de Deus, membros da Igreja, seu
Corpo Místico, Povo de Deus no mundo e na história.
Somos peregrinos e estrangeiros aqui e agora, ao mesmo
tempo. Somos cidadãos do céu, mas vivemos na terra. Esta condição torna
dramática nossa vida cristã. Vivemos na fé em Nosso Senhor Jesus Cristo,
esperando participar integralmente da sua condição de ressuscitado. Enquanto
aguardamos, vivemos no amor, fazemos da caridade o nosso diferencial indicativo
de quem somos e do que aguardamos.
Corremos o risco de não compreender adequadamente a nossa
condição de renovados em Cristo e isso encontra reflexo também na liturgia.
Alguns acham que vivemos só a noite escura da morte e do sofrimento. Outros,
que já vivemos a plenitude da ressurreição. Sim e não, ambas tem algo de
verdadeiro, mas se complementam e se iluminam reciprocamente. O equilíbrio e a
saudabilidade da vida dos católicos apostólicos romanos depende da capacidade
de compreender e viver como participante do mistério da morte e ressurreição de
Nosso Senhor Jesus Cristo, plenamente realidade para Ele, ainda esperança para
nós, mas esperança real, testificada sacramentalmente.
Na ação pastoral, o acento exclusivo na morte ou na
ressurreição ilude os fiéis e deturpa a liturgia. Ilude porque não apresenta a
verdade como crê e ensina a Igreja da qual somos parte. Deturpa a liturgia pois
dá a ela uma natureza que ela mesma não possui enquanto liturgia da Igreja
Militante, chancelada pelo Colégio dos Bispos. Não fujamos da dimensão
dramática da vida cristã, esse é o melhor caminho para nós e para os que se
encontram confiados aos nossos cuidados.
A Páscoa é uma realidade e uma esperança, para a vida e a
liturgia. Vivamos assim.
+ Tomé Ferreira da Silva
Bispo Diocesano de São José do Rio Preto, SP
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