SÍNODO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO
Notícias do Sínodo dos Bispos 11
- Pe. Lima
PRIMEIRO DEBATE NOS PEQUENOS
GRUPOS
O tempo aqui em Roma está mudando,
esfriando... inverno à vista! Mas a temperatura na Assembleia Sinodal está em
alta. O dia de hoje foi todo dedicado ao estudo e respostas às questões
levantadas pela Relação após as discussões apresentada ontem pelo Card. Ronald
William Wuerl, Relator Geral.
Numa entrevista ele afirmou que "o
ministério da Igreja se encontra hoje em uma fase de revisão de sua maneira de
levar a Palavra de Deus em um contexto novo, globalizado, cheio de desafios e
onde há uma grande ignorância da fé, especialmente nos países de antiga
tradição cristã".
Vou agora retornar ao dia de ontem, à
noitinha, quando terminei a crônica anterior. Terminada a Relação do Card.
Wuerl, houve um debate livre, de uma hora e 15 minutos, como primeira reação da
Assembleia diante da grande síntese feita por ele. Inscreveram-se 15 oradores.
Todos foram concordes em elogiar o trabalho bem feito: conseguiu recolher os
temas principais debatidos até agora, dentro naturalmente dos limites desse
tipo de apresentação. Foi relevada também a boa participação dos peritos ou
assessores, que permitiu chegar a essas conclusões; foi realmente um trabalho
hercúleo, insano. Elogiou-se a fidelidade àquilo que foi discutido e falou-se
do latim do texto, por demais clássico. Alguns comentários feitos:
1) Não se pode restringir a Nova
Evangelização (NE) só como uma ação juntos aos afastados da Igreja. Ela é muito
mais ampla e deve responder às novas questões dos cristãos hoje e da
humanidade, na sua amplitude.
2) Faltou maior análise da Vida
Religiosa em geral, e da vida contemplativa em particular (essa última nem é
nomeada no Instrumento de Trabalho).
3) Não há NE sem liturgia. É
necessário novamente desencadear um grande movimento litúrgico, resgatar o
sentido do Domingo, revalorizar o Sacramento da Penitência, como sacramento
típico da NE (acentuar mais o encontro com a graça do perdão do que a confissão
formal dos pecados...) e dar maior impulso ao processo da Iniciação Cristã não
só na catequese dos sacramentos da iniciação, mas também para aqueles que
necessitam ser reiniciados na fé.
4) Os sujeitos da NE não podem
ficar em último lugar no texto; é preciso trazê-los para o princípio do
documento. Trata-se do sujeito individual (eu) e comunitário (nós), abrangendo
desde a paróquia até à Igreja Universal. Não se deve falar só dos atores da NE,
mas da beleza da comunidade que anuncia o evangelho. Entre tais atores deu-se
destaque ao laicato.
5) Ao retratar a sociedade de
hoje que deve ser evangelizada, não se pode acentuar só o negativo. Deus
continua a amar o mundo tal como ele é e estamos vivendo, no século XXI, a
História da Salvação. Devemos olhar com simpatia o mundo de hoje, ao qual
também nós pertencemos.
6) É preciso acentuar mais o
sentido da transcendência para a qual aponta a NE. Por outro lado, precisamos
estar atentos à dimensão antropológica: ajudar a criar condições humanas para
que as pessoas possam aceitar o Evangelho. O pecado e a morte, tão alijados ou
ignorados no nosso mundo, são a base para que tenhamos consciência da salvação
que a Boa Nova de Jesus nos traz.
7) Está na hora de a Igreja
reconhecer o catequista como um verdadeiro ministro da Palavra, com a
instituição do ministério da catequese, sem com isso clericalizar o catequista,
que continua como uma vocação e um serviço tipicamente leigo na Igreja.
8) Não podemos ignorar a presença
e a força do islamismo no mundo atual e muito menos vê-lo somente como ameaça e
perigo. Precisamos não só conviver, mas buscar as possibilidades de evangelizar
o povo mulçumano e apreciar sua riqueza cultural e espiritual. É necessário
voltar à visão positiva do documento Nostra Aetate do Vaticano II sobre o
diálogo religioso.
9) Na linha do ecumenismo, é
preciso criar uma certa aliança com a Igreja Ortodoxa para, juntos enfrentarmos
o secularismo, o relativismo e indiferentismo do mundo atual.
10) Acima de tudo, o documento
deveria apontar mais para a conversão da Igreja ao Evangelho, a começar pela
jerarquia, estendendo-a a todo o Povo de Deus.
Quanto ao dia de hoje, quinta feira, tanto a
manhã quanto a tarde, foram dedicadas à reunião em pequenos grupos, chamados
circuli minores. Não são tão pequenos assim, pois no meu grupo somos mais de
40... O critério de divisão desses grupos é a língua que os participantes
melhor dominam. Assim há 4 grupos de língua inglesa, 3 de língua italiana, 2
grupos de língua francesa, 2 de língua castelhana e 1 de língua alemã. Ao todo
são 12 grupos. Eles devem discutir a Relatório apresentado e discutido ontem em
plenário e responder às 14 extensas questões aí levantadas, procurando já
redigir algumas proposições que serão depois discutidas em Assembleia e
reduzidas a 50, como expliquei ontem.
Algumas afirmações feitas em meu grupo (há
outros 11 grupos...):
1) É preciso esclarecer melhor o
que seja NE. Concordou-se, após várias intervenções, que é melhor apresentar as
características da NE do que buscar uma definição completa.
2) O texto de nossas proposições
precisam ser mais de caráter propositivo, alegre e entusiasmante. Ele mesmo
deveria espelhar o espírito da NE.
3) Há uma grande insistência no
caráter sobrenatural da NE: é de iniciativa divina, depende da graça de Deus e
precisa começar no coração de cada um, a começar dos pastores. Tudo isso é
verdade, mas não podemos esquecer que Deus quer precisar de nós. Essa dimensão
antropológica e a lei da encarnação devem ser levadas em consideração. A Igreja
é a extensão do Corpo de Cristo, o Sacramento universal da salvação (Lumen
Gentium) para a salvação do mundo (Gaudium et Spes), que renova a obra da
Redenção no hoje da história através dos sacramentos (Sacrosanctum Concílium) e
anuncia a Palavra de Deus (Dei Verbum). Esse é o núcleo central do Vaticano II.
4) O novo da NE está na conversão
do coração dos evangelizadores e não tanto nos projetos, metodologias ou planos
mirabolantes. Ela deve se basear, em primeiro lugar, no nosso testemunho de
vida, a começar dos evangelizadores.
5) O importante do título do
Sínodo não é a NE, mas sua finalidade: a transmissão da fé. Portanto NE é
anunciar, falar de Jesus e seu Evangelho, é catequese, evangelização. Ao lado
desse dado, há o problema das mudanças culturais que estão acontecendo há muito
tempo e, como Igreja, somos incapazes de reinventar a linguagem de comunicar a mensagem
e os métodos de pastoral.
6) Pode-se comparar a NE a um
rio: é sempre o mesmo, mas sempre novo. A fé e os sacramentos são sempre os
mesmos; o que muda são os cenários de hoje, o modo de apresentar, a linguagem e
suas expressões.
7) A NE deve ter duas grandes
frentes: a) a pastoral normal do Povo de Deus para defender, alimentar e fazer
crescer a fé; b) uma dimensão missionária de primeiro anúncio e de
evangelização para aqueles que não conhecem Jesus Cristo ou estão afastados da
Igreja.
Outro tipo de discussão girou em torno da
metodologia a ser seguida, da natureza e estilo dessas proposições que devemos
redigir e das pessoas que devem fazê-lo. Ficou claro que somente os bispos
podem fazer proposições. Os peritos ou assessores (como no meu caso) e os
ouvintes, apenas podem tomar parte nas discussões e sugerir tópicos para a
redação.
A parte da tarde foi dedicada à tentativa de
iniciar a discussão e redação das proposições a partir de propostas feitas
pelos membros do grupo. Assim, por exemplo (só para me referir aos brasileiros
presentes nesse grupo), Dom Geraldo Lyrio ficou encarregado de redigir uma
proposição sobre a Liturgia (sempre em vista da Nova Evangelização) e Dom Odilo
Scherer uma outra a respeito das mudanças de estruturas ou conversão pastoral.
Eu pessoalmente colaborei na redação sobre a Iniciação Cristã e sobre o
ministério do catequista e sua institucionalização.
Assim sendo, foram discutidas proposições
sobre os seguintes temas, com uma primeira redação: os cenários de hoje (secularismo,
relativismo...), dioceses, paróquias, pequenas comunidades, liturgia, iniciação
cristã, educação, pastoral universitária, comunicação, homilia, promoção
humana, novos pobres (migrantes), novos evangelizadores (principalmente a
formação presbiteral), vida contemplativa, pastoral familiar.
Todos os encarregados de redigir proposições
sobre esses temas devem aprontá-las até amanhã cedo e entregá-las ao relator de
nosso grupo (um bispo espanhol) e ele, por sua vez, fará, juntamente com os
outros 11 relatores, uma apresentação em plenário, para que elas sejam
discutidas e retornem aos grupos para modificações.
As audiências do Papa às quartas feiras, como
a de ontem, estão sendo feitas na Praça São Pedro e não na grande Sala Paulo
VI, pois atrapalharia o trabalho do Sínodo. Foi-nos comunicado que o Papa deu
início, com a audiência de ontem, a um ciclo de catequeses dedicadas à virtude
da fé. Será mais um bom subsídio para a celebração do ano da fé, uma vez que
Bento XVI, nessas catequeses das quarta-feiras, fala com simplicidade e
linguagem fácil, sem deixar de ser profundo e completo.
Roma, 18 de Outubro de 2012,
quinta feira.
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
O IMPORTANTE RELATÓRIO APÓS AS
DISCUSSÕES
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Notícias do Sínodo dos Bispos 10
- Pe. Lima
Completo a crônica de ontem com 3 dados. Foi
lida na abertura de uma sessão da manhã a mensagem de Dom Lucas Li, bispo
chinês, já bastante idoso, que ficou 20 anos na prisão pelo regime comunista,
por causa de sua fidelidade à Igreja e ao Papa. A mensagem que transpirava
grande fé e amor à Igreja estava escrita em simples, mas perfeito latim.
Aqui recebemos muitos livros, folhetos,
coleções, convites para diversos eventos... Será um problema colocar tudo isso
na mala, ao voltar, além da grande quantidade de papel com os textos oficiais
que recebemos. Um livro que alegrou muito os latino-americanos ontem, foi o
Documento de Aparecida traduzido em italiano. Assim, muita gente que não tem
acesso ao castelhano ou português, poderá entrar em contato com nossa Igreja
continental, sempre muito apreciada pela sua vivacidade, articulação e projetos
pastorais.
Escrevendo ontem, pela segunda vez, a respeito
da polêmica ao redor de um filme sobre o avanço do Islamismo, me auto-censurei
diante da chamada de atenção de alguns sobre o "vazamento de informações
do Sínodo". Mas hoje, lendo o noticiário Zenit (da Opus Dei) encontrei lá
a maioria das informações que estavam no trecho censurado... e os jornais
italianos hoje estão falando abertamente... Então resolvi transcrever agora o
que havia escrito ontem: "Ainda na sessão de ontem, no momento do debate
livre, o Card. Arcebispo de Paris, D. André Vingt-Trois protestou contra a
projeção do filme sobre o islamismo, chamando-o de inoportuno, alheio ao debate
sinodal e com dados falsos, pelo menos com relação à França (seu país), e sem
citar fontes fidedignas. Argumentou que a evolução das civilizações possuem
fatores muito mais complexos do que as apresentadas no vídeo, qualificando-o de
maniqueísta e extremista. O Secretário Geral, D. Nikola Eterovic, logo
acrescentou que a projeção não era oficial e que cada um responde pelo que diz
ou propõe. Mas a seguir, o cardeal D. Joachim Meisner, arcebispo de Colônia,
disse que o vídeo não está tão errado assim, uma vez que tal ameaça é real e os
dados referentes à Alemanha procedem. Defendeu a família cristã e sua teologia,
pois não pode haver família em base à ideologia. Por sua vez, o Card. Kodwo
Appiah Turkson, que preside o Pontifício Conselho para a Justiça e Paz explicou
que a iniciativa da projeção do vídeo foi dele e a intenção era falar do
problema da diminuição das famílias, sem nenhuma intenção de provocar
polêmicas. Hoje comentou-se que em algum jornal italiano os dados do filmes
foram considerados inexatos e de conteúdo alarmista".
Falando do dia de hoje, ouvimos entre manhã e
tarde, mais 52 discursos. O Card. Marc Ouellet, da Congregação para os bispos,
fez um duro pronunciamento criticando setores da Vida Consagrada que não acatam
o Magistério Eclesial, tomando posições contrárias ao ensinamento da Igreja.
Visava, certamente, algumas religiosas dos EUA e de outras regiões, com
posturas feministas, ou religiosos que vão na mesma linha. Ele apelou para o
documento Mutuae Relationes, que trata justamente das relações entre os
religiosos e a Jerarquia da Igreja. Nesse documento, de João Paulo II, muito
trabalhou o então Reitor Mor dos Salesianos, Pe. Egídio Viganó.
Uma vibrante intervenção foi feita por Dom
Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana (MG) sobre a dimensão evangelizadora
da Liturgia. Falou da "arte de celebrar", da importância da homilia,
dos ritos que comunicam o mistério e sobre o papel mistagógico da Liturgia, ou
seja, os ritos, bem celebrados, por si só são uma catequese através dos sinais
que favorecem à educação da fé.
Hoje, finalmente, a palavra foi dada a algumas mulheres que participam
na condição de auditrices (ouvintes), como a Soror Mary Lou Wirtz, presidente
da união das superioras gerais, Sra. Maria Voce, superiora geral dos
focolarinos, sucessora de Chiara Lubich, a Ir. Maria Antonieta Bruscato,
Provincial das Irmãs Paulinas (brasileira) e Lydia Jiménez González, fundadora
das Cruzadas de Santa Maria. Também foi dado a palavras a alguns leigos, o mais
conhecido é Francisco José Gomes (Kiko) Argüellos Wirtz, fundador do
Neocatecumenato, e outros, como o sr. Miguel Roy, presidente da Charitas
Internacional, e Zoltán Kumzabó, diácono permanente da Arquidiocese de
Budapeste.
Entretanto, o acontecimento mais importante do
dia, foi no início da tarde. O Papa esteve presente, prestigiando o grande
momento. O Relator Geral, Card. Ronald William Wuerl, arcebispo de Whasington,
leu a chamada Relatio post disceptationem, ou seja: Relação após as discussões.
Na verdade, as últimas discussões (ou discursos...), tinham sido no final da
manhã, e logo às 16h30 todos nós, os 400 participantes, recebemos um belo livro com o texto do discurso impresso, muito
bem diagramado e... em latim! Essa peça, de grande importância na dinâmica do
Sínodo, foi escrita com a colaboração de nós peritos ou especialistas. Cada
perito escreveu na sua própria língua e a redação final foi feita em inglês,
pois o Relator Geral é americano, auxiliado também pelo Secretário Especial, D.
Pierre Marie Carré, Arcebispo de Montpellier (França).
Entretanto o texto estava num latim, da melhor
cepa clássica e consequentemente, bastante difícil. Confesso que tive
dificuldades de entender certas palavras e construções rebuscadas... se tivesse
sido redigido num latim eclesiástico, como aliás foi sugerido em Assembleia,
teria sido muito mais fácil... Mas, junto com o texto latino, veio impresso
também, na mesma brochura, a versão em inglês (que certamente é a versão
original, vertida depois para o latim). Além disso, havia tradução simultânea
em quatro línguas (italiano, espanhol, francês e alemão). A manutenção de tal
formalidade literária não ajudou em nada... e foi criticada por muitos.
O grande texto tem como título o mesmo tema do
Sínodo: Nova Evangelizatio ad Christianam Fidem Tradendam. Ele procura fazer
uma grande síntese de tudo o que foi falado ao longo dos quase 300 discursos
desses dias ou enviado por escrito para a Secretaria Geral. O texto foi lido
pausadamente com sotaque americano, durante uma hora. Está articulado em quatro
partes, com uma introdução ("Sereis minhas testemunhas") e uma
conclusão de três parágrafos. As quatro partes são: 1. A natureza da Nova
Evangelização; 2. O contexto atual do Ministério da Igreja; 3. As respostas
pastorais às atuais circunstâncias e 4. Agentes e participantes da Nova
Evangelização.
Cada parte é constituída de uma exposição
inicial seguidas de algumas perguntas bastante longas. A parte que possui mais
perguntas é a terceira (que é o núcleo do documento), com 6 extensas questões.
Uma hora após o término da leitura do texto,
ele já se encontrava na Internet, no site já conhecido:
http://sinodo2012.wordpress.com/?blogsub=confirming#subscribe-blog onde poderá
ser lido em castelhano.
Amanhã irei expor o conteúdo desse documento e
algumas reações que, logo a seguir, foram manifestadas por 15 oradores. Por
agora basta dizer que, em base a esse documento e às questões por ele
levantadas, os 12 Circuli Minores (grupos menores... o meu tem mais de 40
participantes) farão o trabalho final de redigir as 50 proposições, que
naturalmente passarão ainda por discussões e aprovação em Assembleia Geral, e
entregues ao Papa que, com os Lineamenta, o Instrumento de Trabalho e estas 50
proposição, irá elaborar e publicar uma Exortação Apostólica referente ao tema.
Roma, 16 de Outubro de 2012
Pe. Luiz Alves de Lima, sdb
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